quinta-feira

Crise e insurgência no Quirguistão

Muita gente aqui no Brasil certamente nunca ouviu falar no Quirguistão, mas ontem boa parte da imprensa noticiou a revolta e derrubada do presidente do país, Kurmanbek Bakiyev.
Evidentemente que a quase totalidade das informações que foram difundidas por aqui vinham descontextualizadas, bloqueando uma analise crítica dos fatos que ocorrem neste país. Invariavelmente, apontavam a um aumento de preços nas tarifas públicas como o catalizador da revolta popular, o que não deixa de ser apenas uma pequena “ponta do Iceberg”que mascara os reais motivos dos acontecimentos.
Primeiramente, o Quirguistão e é uma ex-república soviética, de geografia montanhosa, localizada no centro da Ásia, e com fronteiras com a China, o Casaquistão, o Usbequistão e o Tajiquistão. O território soma 200 mil quilômetros quadrados, sendo pouco maior que o Estado do Paraná.
Tem sido um importante aliado aos interesses norte-americanos na região, sedendo parte do seu território para a instalação de bases militares, com o intuito de abastecer o conflito no Afeganistão, além de reforçar a presença americana na região.
O presidente Kurmanbek Bakiyev subiu ao poder após os protestos de 2005 conhecidos como a Revolução da Tulipa, que forçaram seu antecessor, Askar Akayev, a fugir, após um período de mais de 15 anos na presidência.
Bakiyev, porém, operou uma mudança significativa nos rumos do país. Do ponto de vista geopolítico, deslocou o país para uma posição ainda mais pró-EUA, distanciando-se da Rússia. Do ponto de vista econômico, aprofundou as políticas de corte neoliberal que já eram implementadas pelo seu antecessor. Tais políticas, ainda que contanto com apoio irrestrito dos EUA e cia, não reverteram um processo de longa recessão. De 1991 a 2001, a economia quirguis registrou declínio de -2,4%.
No bojo da falência do ideário neoliberal em sua face mais radical, afinal o Quirquistão foi um dos maiores entusiastas entre as repúblicas advindas da ex-União Soviética, em 2005 ocorre a “Revolução da Tulipa”, onde havia, de forma difusa uma expectativa de mudanças no curso do país. Tais mudanças foram amplamente frustradas.
Não só o falido modelo neoliberal seguiu sendo implementado, através de privatizações duvidosas, como inúmeras denúncias de rapinagens nos cofres públicos levaram a uma ampla e majoritária rejeição popular aos rumos do país.
Esta rejeição tomou a forma de revolta aberta, que no dia 7 de abril eclodiram nas ruas da capital Bisqueque, tendo um saldo de 75 mortos e que culminaram na queda do presidente Kurmanbek Bakiyev. A líder da oposição do Quirguistão, Roza Otunbayeva, assumiu o governo, com o controle e apoio das Forças Armadas do país. Otunbayeva afirma que governara interinamente por seis meses até realização de novas eleições. A nova líder disse ainda que "devolveria ao Estado" diversos ativos que haviam sido "ilegalmente privatizados", como as companhias de energia elétrica. Além de uma nova Constituição que será confeccionada nesse período.
Se este processo significará um maior distanciamento do imperialismo norte-americano e uma ruptura plena com o ideário neoliberal, no momento ainda não é possível afirmar com total certeza. No entanto, é importante registrar que demonstrou-se que a população não aceita de forma indefinida processos aviltantes que a afligem por longos períodos e que a possibilidade de insurgência é factível. Não resta dúvida de que este não será o último episódio no longo processo de falência do neoliberalismo.

sexta-feira

Mitos e ilusões na política gaúcha

Os sucessivos escândalos envolvendo os governos Yeda e Fogaça em pleno “estado mais politizado” do país certamente fazem cair por terra a alcunha, se é que ela teve justeza em algum momento.
Sempre desconfiei dessas denominações, em geral mal escondem um certo sentimento de “superioridade” com os demais estados ou ao próprio Brasil, com um forte apelo conservador. Felizmente, não vivemos em tempos de que esses tipos de construções conseguem angariar algum apelo popular para além do residual. Mas ainda sim, o uso político desse mito é feito de outras formas, talvez menos explicitas.
Uma delas, e que quero me deter, é a utilização desta suposta singularidade local como forma de “blindar” os governos conservadores. Não é um fenômeno novo e se fundamenta, por vezes, na tática de “jogar luzes” em alguns aspectos específicos, ainda que periféricos, da política local para criar uma diferenciação ilusória, desconsiderando todo o resto. Um exemplo clássico disso é o PMDB, aqui ele ainda é o “velho MDB”, no resto do país é um partido corrompido que se detêm apenas a cargos em governos e negociatas. O apoio e a participação ativa do PMDB no governo Yeda ao longo de toda a gestão e na defesa do governo, para as portas da eleição sair da gestão e se apresentar como “novidade” não é um mero casuísmo eleitoreiro, mas sim um ato de “coerência”.
Quando isso se desdobra para os governos da direita gaúcha, a lógica do “dois pesos e duas medidas” se faz valer em toda a sua potência. De forma simbólica, se trabalha com um imaginário político de que as dificuldades de nosso estado não são causados por problemas dos atuais governantes, mas por casualidades, acontecimentos insólitos da natureza, pela “desunião” causada pelos radicais da esquerda, por “erros” do governo federal e inúmeras outras tergiversações . Para exemplificar, o problema da crise econômica do RS, não é pela farra das isenções fiscais, pela falta de projeto político dos sucessivos governos conservadores ou neoliberais que se instalaram no Piratini, o problema está “lá” e não “aqui”.
A fragilidade dessa lógica é evidente e muitas vezes de difícil convencimento, no entanto, ela tem seu apelo, mesmo que tangencialmente. Alimentada de forma permanente pelos setores conservadores (partidos da direita, mídia, grande burguesia, etc.) como forma de maquiar o que realmente ocorre.
De que outra forma poderíamos compreender que, uma governadora atolada em uma mar de denúncias de corrupção, com um governo inoperante, segue governando e, por incrível que pareça, irá concorrer a reeleição? De que forma se explicaria que um prefeito com um governo fraco e paralisado, com denúncias graves de corrupção (inclusive tendo um secretário assassinado) concorre com ares de favoritismo pela mídia?
A tática de escamotear os reais problemas, gerar falsos dilemas e apresentar soluções ainda mais frágeis não passa de uma estratégia que tem por fim o objetivo de permanecer o mesmo estado de coisas. Tudo isso como forma de manter alguns privilégios, e principalmente, permanecer os “esquemas” de alguns poucos que se locupletam a anos.
O maior perigo deste modus operandi na política gaúcha é a tentativa de asfixia prematura de qualquer possibilidade de rompimento com isso. A candidatura que se “aventurar” a romper com esta lógica sofre o risco de ser taxada de “radical” ou, o que é pior, simplesmente ser relegada a um papel secundário na disputa política pela mídia.
Alternativas para romper com esse cerco existem. Elas, em geral, não são as mais fácies, no entanto, são as mais necessárias. Do contrário, seguiremos vendo uma reiteração de uma mesma política cujo a única mudança é se será A ou B, mas com o conteúdo e, o que é mais trágico, com os mesmos erros e descaminhos que assolam o estado.