terça-feira

A crise de um Senado em crise

Cotidianamente, e de forma seletiva, a grande mídia “elege” algum fato político para elevá-lo ao status de “escândalo” público, e consequentemente “mobilizarem” a opinião pública contra o fato alvo das denúncias.

O alvo da vez é o Senado, presidido pelo Senador José Sarney, figura altamente controvérsia que simboliza a velha política, as enumeras denúncias envolvendo contratações de funcionários com “super-salários”, funcionários fantasmas, laranjas, tratamentos médicos de familiares de senadores pagos pelo senado e etc. sem dúvida são fatos graves e que merecem ser apurados o mais rapidamente possível. A questão que fica no ar, no entanto, é: desde quando tais fatos vêm ocorrendo? E mais, a quanto tempo a grande imprensa já tem conhecimento destas situações?

Não sejamos ingênuos a ponto de acreditar que tais situações só vieram a tona a agora devido a revelação de tais fatos, visto que todos estas acusações são de irregularidades que vinham sendo cometidas já há algum tempo. Da mesma forma que o “escândalo” anterior, envolvendo a Câmara de Deputados, também não eram fatos inéditos. A situação da Câmara, inclusive deixou de ser falada, justamente quando passou a atingir Deputados “amigos da mídia” como o Fernando Gabeira. Quando as denúncias atingem “alvos indesejáveis” a grande mídia adota, de forma repetida, a estratégia de desviar o foco e lançar um novo escândalo.

Os ataques ao legislativo também não é um fenômeno novo, ele corrobora com uma clara intenção de enfraquecer o “elo mais frágil” do sistema político brasileiro. Fragilidade esta que nunca é atacada nas suas causas, apenas denunciadas as conseqüências de uma engrenagem fadada a proporcionar situações de corrupção, ineficiência e descrédito. Tais ataques, ainda que possam ter no mérito alguma justeza, gera de forma direta ou indireta uma separação entre o “povo” e a “política”, cumprindo um importante papel despolitizador. Na medida em que os “políticos” estão sempre envoltos em algum escândalo, logo todos são corruptos, e se todos o são, a tendência a uma rejeição e uma negação da política passa a ser uma conseqüência direta.

E assim, se perpetua uma situação onde, através de um afastamento e uma “despolitização” da política por parte de significativas parcelas da população favorecem uma perpetuação de tal quadro. Esse mesmo afastamento impede que se consiga efetuar mudanças que coíbam e corrijam os atuais problemas. Temas como o da reforma política, teve um tratamento completamente secundarizados pela cobertura midiática, contando com a indiferença de uma parcela significativa do legislativo, mais preocupada em se manter em suas cadeiras do que em produzir mudanças democratizantes no sistema político nacional. Isto que a proposta de reforma que estava em pauta era bastante tímida comparada com as necessidades, mas ainda sim teve o triste destino do “engavetamento”, não devendo ser aprovado em um horizonte próximo.

O presente escândalo envolvendo o Senado poderia ser uma boa oportunidade para se levantar um debate de maior profundidade, fugindo do mero “denúncismo de ocasião”, sobre, por exemplo, para que serve o Senado? Não seria o próprio Senado um grande entrave para um melhor funcionamento do legislativo brasileiro?

O sistema bicameral, onde o Senado funciona como um mero “revisor” da Camara de Deputados, acaba gerando um processo de maior lentidão, e muitas vezes obstrução do processo legislativo. A Camara de Deputados, ainda que seja um espaço de profundas imperfeições e absurdas incongruências, não se comparam as distorções abismais contidas no Senado, pois ela minimamente resguarda algum reflexo da realidade brasileira em sua composição. O Senado, com uma composição de três senadores por estado, gera uma distorção original que emperra um real debate sobre a realidade. Estados com grandes populações acabam sendo subrepresentados.

Tal situação facilita que determinados “coronéis” da política se perpetuem no Senado, onde cada mandato tem oito anos, com reeleição ilimitada, gerando situações de fortalecimento de uma política anti-democrática. Afinal, tais Senadores, ao comandar determinados estados, e estarem em situação de igualdade numérica com Senadores de estados onde as eleições são mais disputadas, garantem um fortalecimento e quase perpetuação de seu poder, bem como passam a exercer um papel de dualidade com o poder executivo, muitas vezes em uma relação de pura chantagem. Com um pequeno universo de “votos” a serem disputados no plenário do Senado, cada Senador passa a ser uma “ilha de poder” própria, autônoma e com condições de literalmente “emperrar” os projetos do executivo.

Essa situação não vem de agora, e esta se arrastando já há algum tempo em nosso país. A verdadeira e profunda solução para esse problema, seria se repensar por completo o funcionamento do poder legislativo. E uma profunda mudança se faz de forma urgente. Um aspecto dessa mudança, que julgo fundamental, seria a extinção do Senado e o fim do sistema bicameral.

Mas tal debate polêmico infelizmente hoje não encontra condições políticas de ser colocado na sociedade. Afinal, os Sarneys e Calheiros da vida iriam permitir a extinção de seu espaço de poder? A direita em geral irá querer mudanças democratizantes no país, visto que até hoje jamais o fizeram? A mídia teria interesse em pautar isso? O executivo suportaria o desgaste de comprar este debate?

Creio que a resposta para todas estas perguntas são óbvias, e por tanto, teremos que agüentar por mais algum período escândalos de tempos em tempos ocorrendo no Senado, um sistema legislativo lento e anti-democrático, completamente afastado dos interesses populares. Apenas mudanças profundas e sistêmicas podem de fato alterar o atual estado das coisas.

A estatização da GM

A antes poderosa General Motors (GM), um dos grandes ícones do desenvolvimento econômico norte-americano, foi a bancarrota. E a solução para evitar um eventual "desastre" na economia interna dos EUA foi a "estatização" pelo governo.
Em um processo de lento e contínuo declínio, a outrora maior gigante automobilístico, passou a perder espaço no mercado mundial e no próprio mercado estadunidense (de 45% em 1980 passou a 22% em 2008). Além da perda de espaço no mercado, operações desastrosas no mercado financeiro acumularam um elevado processo de endividamento na empresa, estima-se que o valor chegue US$ 79 bilhões.
Outro fator complicador para a GM são as pensões pagas aos funcionários. Antes recheadas graças a sólidos investimentos, os fundos que abrangem 500.000 americanos, foram drenados pelo declínio no mercado acionário e pela decisão da empresa de aumentar o pagamento de pensões para compensar a redução dos benefícios de saúde e "estimular" os funcionários mais antigos a aposentar-se mais cedo. Política muito corriqueira no receituário neoliberal para "sanar uma empresa".
Bem, os resultados falam por si só. Com a avalanche que atingiu o centro do império, abalando os principais pilares do modelo neoliberal, o caso da GM é simbólico sobre como a financeirização da economia abalou e compromete profundamente a chamada "economia real".
Saídas "por dentro", que tentassem restabelecer o curso das coisas a sua "normalidade" foram todas fracassadas. Bilhões foram alocados pelo governo dos EUA para tentar manter a "competitividade" da empresa, mas todo dinheiro despejado não surtiu efeito, pois o problema que se apresentava é de natureza estrutural. Até mesmo a demissão do Executivo-chefe da GM foi feita em um das enumeras tentativas do Governo Obama em tentar resolver o impasse. Sempre hesitante em construir uma solução fora do receituário ortodoxo do mercado.
Por fim, não restou outra saída que não a estatização. O governo dos EUA irá passar a controlar 60% das ações, o sindicato dos trabalhadores irá ter 17.5%, o governo do Canadá 12,5% e os 10% restante da GM irá ficar com os credores.
No entanto, as intenções iniciais do governo Obama é de sanar as finanças da "nova GM" até o final do ano, através da venda de algumas das marcas (Opel, Pontiac, Saturn, etc), demissões e fechamento de unidades de produção. Para posteriormente "re-privatizar" a empresa, tudo patrocinado pelo dinheiro público.
Restringindo-se a este plano de ação, inevitavelmente a GM, em um médio prazo voltara a apresentar os mesmos problemas, pois é da natureza do sistema.
No entanto, a pressão popular advinda pelas demissões e pelo dinheiro público gasto, a permanência da crise financeira, as dificuldades de implementação da recuperação econômica da empresa, podem vir a retardar esse plano por um tempo muito maior que o previsto. A permanência da GM como uma empresa estatal não pode ser descartada no horizonte próximo, ainda que difícil de ocorrer. O que não deixaria de ser irônico, que justamente no centro irradiador do receituário neoliberal, serão as políticas estatizantes que recuperarão a economia norte-americana. O erro fatal será um retorno as mesmas em um médio prazo, quanto a isso não nos resta dúvida.