quarta-feira

Kizomba na construção da nova entidade de estudantes do RS: Entender o passado para organizarmos o presente

Faz muito tempo que o Rio Grande do Sul vive a situação de não contar com uma entidade estudantil estadual que minimamente sirva de referência para as lutas dos estudantes.
Mas isso não foi sempre assim, pelo contrário. Tivemos no processo de redemocratização do país, no final dos anos 70 e início dos 80, a refundação da União Estadual dos Estudantes (UEE), que foi importante para o processo de derrubada da ditadura e construção do movimento estudantil gaúcho.
Este processo não se deu de forma fácil e foi alvo de dura resistência e enfrentamento junto ao aparelho repressivo do Estado, que não reconhecia a UEE livre, e defendia a DEE (Departamento Estudantil Estadual), entidade pelega com fortes vínculos com o regime. Através de uma forte mobilização, enfrentamento e trabalho junto a base organizada, a UEE se consolidou e a DEE acabou por virar apenas uma triste lembrança.
Muitas foram às lutas que a UEE teve naquele período, com destaque para a defesa da redemocratização do Brasil pelas “Diretas Já!”, a defesa de um ensino de qualidade, o fortalecimento do movimento estudantil que passava por um período de reorganização, o “Cio da Terra”, evento que foi um marco político-cultural para a juventude no Estado naquele período.
A força da entidade incomodava muitos e por uma série de fatores, os setores conservadores acabaram ganhando a direção da entidade. Gradualmente a democracia interna da entidade foi sendo suprimida e com isso, lentamente perdendo força e representatividade. Como conseqüência, os setores mais combativos do movimento estudantil do Estado foram se afastando.
Os Congressos da UEE deixaram de ser convocados de forma democrática, com o mínimo de transparência, e de conhecimento das forças do ME gaúcho. Quando ocorria algum congresso, via de regra as “eleições” foram conduzidas pela via cartorial. Os setores da esquerda, pouco articulados para esse enfrentamento, limitaram-se a denunciar os congressos fantasmas. A UEE, outrora de lutas e democrática, tornou-se apenas uma entidade emissora de “carteirinhas” e financiadora da direita política do Estado.
Após muita pressão e mais de uma década de inoperância da entidade, em 2003 tivemos uma tentativa de redemocratização da UEE. Para isso se chamou um Congresso da entidade na ULBRA em Canoas, mas dessa vez com maior diálogo com as forças do movimento estudantil. A pauta apresentada para o congresso era a mudança estatutária como ponto de partida para termos novamente uma entidade democrática.
Naquele ano nós da kizomba entendíamos que a pauta do congresso poderia representar uma abertura da entidade, avançando na sua democracia. Naquele Congresso estávamos apresentando propostas de mudanças na entidade, como a extinção do delegado nato, congressos democráticos, criação das diretorias de mulheres, combate ao racismo e LGBT, a proporcionalidade na composição da direção e outras medidas que visavam concretizar um processo de redemocratização da entidade.
Naquele Congresso foram formadas três chapas: chapa majoritária (UJS, PT Amplo e PDT); chapa da AE e a nossa da kizomba com a TM. Saímos daquele Congresso compondo a UEE na diretoria de universidades privadas na executiva e nas diretorias de políticas educacionais e de mulheres, ambas no corpo da entidade. Aprovamos um novo estatuto que nos daria a garantia de uma verdadeira abertura democrática da entidade. Após esse Congresso, no entanto, a UEE passa a não ter vida orgânica. Em nenhum momento a entidade convoca reuniões de sua diretoria. O que se sabe é que nos anos seguintes sua diretoria não apenas se fragmentou e saiu da entidade aos poucos, como também rachou. O PDT, que controla a entidade se fragmentou entre os grupos da Ulbra e da PUC em uma disputa pelo controle da mesma. O PDT da PUC, dirigido pelo antigo Secretário de Juventude do Fogaça, quase caçado no último ano acusado de desvio de verbas do PROJOVEM, tenta dar um golpe e chama um novo Congresso, esse fantasma na PUC. Os dois PDTs apresentam atas de posse da nova diretoria, ambos reivindicando a direção da entidade. A UEE passa a ter um impasse jurídico, que só vai se resolver um ano depois. Hoje, segundo o atual presidente da UEE, Silvio Ribeiro, esses impasses jurídicos foram resolvidos, de forma totalmente antidemocrática, ou seja, convocado novo Congresso em 2005, sem qualquer debate e divulgação, que iria apenas referendar a última direção. Para piorar, não bastasse os golpes e contra-golpes praticado por eles, as mudanças estatutárias discutidas e encaminhadas em 2003 foram sepultadas. O estatuto hoje registrado em cartório é o mesmo existente antes do Congresso de 2003.
Após esse breve histórico é importante pensarmos o que essa realidade tem causado no nosso estado. Temos hoje uma entidade estadual inexistente, que sustenta as forças de direita, com seus dirigentes apoiando a governadora Yeda durante sua campanha eleitoral, ou mesmo legitimando eleições fraudulentas como a última do DCE da ULBRA.
Hoje a ausência de uma entidade estudantil tem fortalecido e deixado solto as forças neoliberais no Estado. Não nos resta dúvidas que a falta de uma UEE que realmente represente os estudantes do RS dificultam enormemente uma ação organizada, unificada e cotidiana dos estudantes. Por mais que tenhamos visto no último período mobilizações estudantis chamando o “Fora Yeda”, que deve ser saudada por nós como uma importante e inequívoca prova da potencialidade e força do movimento estudantil, quando soma forças e atua de forma unitária. Ainda sim, a ausência de uma entidade geral dos estudantes se coloca como um grande obstáculo para uma luta com força e capacidade de aglutinação.
Além de uma avaliação comum sobre a situação do movimento estudantil no Estado, e principalmente, da situação de falência política da UEE, temos uma pauta objetiva que unifica e orienta as lutas estudantis no estado: o combate ao (des)governo Yeda.
Acreditamos ser urgente e necessário que concentremos nossos esforços para mudar este quadro. Não podemos mais permitir que a UEE permaneça nesse marasmo e como uma mera fábrica de carteirinhas e legitimador das piores práticas da velha política no movimento. Entendemos que neste momento a conjuntura encontra-se extremamente favorável para que possamos desencadear este processo. Um amplo consenso se estabelece atualmente entre os principais setores do movimento da necessidade de se construir uma alternativa.
Esta alternativa se apresenta na formação de uma nova entidade estadual dos estudantes, que resgate a trajetória da UEE e organize as lutas para o próximo período. Avaliamos que hoje não existem condições de rearticulação por dentro da UEE. Essa articulação só deverá ser realidade com o protagonismo de todas as forças políticas do RS, dos DCEs e da UNE.
A construção da nova entidade se iniciou a partir do Conselho de Entidades Gerais do RS (CEEG), que estabeleceu os marcos para uma ampla construção democrática. Para termos uma maior transparência estaremos casando a construção da nova entidade com o processo de eleições do Congresso da UNE, por ser este já respaldado e amplamente divulgado pelo conjunto do movimento. Esse processo irá culminar no congresso de fundação da nova entidade, que foi deliberado para ocorrer no 2º semestre, com indicativo para o final de agosto.
Até essa data teremos muitos desafios, como elaborar uma proposta de estatuto que estabeleça os marcos de uma entidade democrática, construir um amplo envolvimento do maior número de estudantes, entidades e setores políticos organizados que busquem construir uma alternativa democrática e participativa em nosso estado. Não será fácil o esforço de garantir isso, visto que a democracia não é algo pronto e acabado, pelo contrário, exige um permanente esforço para assegura-la e renova-la. Não queremos uma entidade que represente apenas a um único partido ou setor, mas sim a todas e todos os estudantes, quanto a isso não podemos abrir mão, do contrário estaremos repetindo os mesmos equívocos da “UEE fantasma”.
Esses seriam os primeiros passos para avançarmos para uma nova etapa na organização do movimento estadual. Agora cabe a nós formularmos uma política que avance para a estruturação de uma entidade que contemple uma verdadeira mudança na organização dos estudantes no RS. Queremos uma entidade que seja amplamente democrática, privilegiando a participação dos estudantes na sua construção. Para isso devemos desde já desencadear um amplo processo de debates nas universidades, envolvendo a base do movimento nesta importante construção. Somente assim poderemos reencantar o movimento estudantil no estado e colocar em prática uma nova cultura política no cotidiano das lutas.



Camila Marcarini e Erick da Silva
Abril de 2009