sábado

Reforma Universitária: um debate necessário

Com a vitória de Lula a Presidência da República e a mudança na forma de conduzir a política do governo, abrindo diálogo com as entidades e os diferentes movimentos, muitas expectativas foram geradas, algumas um tanto quanto excessivas.

Esta mudança de postura, por óbvio, atingiu o Ministério da Educação (MEC), o que possibilitou uma abertura de diálogo do movimento estudantil junto ao Ministério, em uma lógica radicalmente oposta a adotada por Paulo Renato a frente do MEC. A UNE, principalmente sua direção majoritária (UJS/PCdoB), mas também setores da oposição na UNE (Articulação por exemplo) passaram a adotar uma postura adesista aos encaminhamentos e intenções públicas do MEC. Inicialmente, este adesismo acrítico era justificável por algumas conquistas que começaram a se esboçar. Aliando a uma aparente “boa intenção” de atender as reivindicações históricas do movimento, esta abertura chegou mesmo a vislumbrar a materialização de importantes avanços, como foi a discussão (que envolveu diversos setores do movimento, da universidade, do próprio MEC etc.) de substituição do Provão e a implementação de um novo sistema de avaliação universitária, o SINAES. Este continha na essência, uma série de melhorias que iam de encontro a pauta de discussões do movimento, como por exemplo, o fim do ranqueamento entre as universidades.

As condições do debate da Reforma Universitária

Em meio ao debate do novo modelo de avaliação do ensino superior, que ocorreu no primeiro semestre e início do segundo semestre de 2003, veio a tona o debate da Reforma Universitária. Antes mesmos das discussões avançarem, de imediato a UNE já aderiu a defesa do projeto de Reforma Universitária, sem haver garantias prévias do que iria resultar o debate da reforma. Dando encaminhamento a este projeto, o governo formou um Grupo de Trabalho Interministerial (formado pelos Ministérios da Educação, Planejamento, Ciência e Tecnologia, Fazenda e Casa Civil) para elaborar um projeto de reestruturação das IFES, e que, em tese, seria posteriormente discutido com as entidades.

Ocorre que, este final do primeiro ano do Governo Lula aponta para uma ainda maior necessidade (que nós do campo Kizomba havíamos colocando) de fortalecimento e independência dos movimentos sociais face ao governo, isto se comprova com a recente apresentação feita pelo Ministro Cristóvão Buarque na Comissão de Educação do Senado: o novo projeto de avaliação institucional para substituir o Provão de FHC, de nome SINAPES. Este projeto abandona toda a série de avanços da proposta elaborada anteriormente (SINAES) e mantém alguns dos principais vícios de concepção do Provão, como o ranqueamento e uma “pseudotecnicidade” aos moldes do Banco Mundial.

Essa “abrupta” mudança de rota na linha adotada no projeto de avaliação desnuda a idéia de total crença no espírito de mudanças progressistas e transformadoras por parte do MEC. Frente a isso, o que se pode esperar de um projeto de cunho muito mais global e estratégico, como pode vir a ser a Reforma Universitária? Quais serão as garantias do movimento frente ao MEC?

Uma reforma que não perceba no problema da escassez de recursos das universidades públicas e no papel irrenunciável do Estado na constituição do sistema nacional de educação superior no Brasil, comprometido com a qualidade e a democratização de acesso ao mesmo, não será uma reforma que atenda as necessidades mínimas do ensino superior brasileiro. Sem haver isso como princípio norteador, ficará difícil um avanço qualitativo em qualquer debate de reforma. Não podemos recuar em nenhum milímetro de nossas bandeiras históricas, pois a reforma da universidade não pode se dar em um nível que não eleve a universidade ao seu papel estratégico junto à sociedade. Deve se dar sob o marco histórico da transformação social, tendo o princípio da integração da universidade aos problemas da sociedade e trazê-la junto aos movimentos sociais, derrubando os muros de “superioridade” que separam a academia dos reais problemas do Brasil, somando-a na construção de alternativas para a sociedade.

O papel da UNE e do Movimento Estudantil

Não é razoável que a UNE tenha a defesa, de forma abstrata, da Reforma Universitária como sua posição pública, pois isso poderá causar um grande revés para o movimento como um todo. Há o grande risco desta reforma, caso venha a ocorrer de fato, se desviar das propostas históricas do movimento, indo para um patamar recuado ou mesmo de retrocesso e de adaptação ao projeto de universidade do Banco Mundial, aprofundando o caráter mercantilista iniciado por FHC.

Não é um projeto ou pauta que já está definido, há ainda uma grande margem de disputa a ser travada pelo conjunto do movimento, e esta disputa deve ser feita por nós. A proposta apresentada pela UNE de realizar em 2004 um seminário para debater a Reforma Universitária; apesar de todos os vícios que contém ou possa vir a conter no método; ainda assim pode permitir para nós travar uma importante e necessária disputa de fundo da universidade como um todo. Permitindo a nós realizar um aprofundamento do debate sobre o que seria uma verdadeira Reforma da Universidade brasileira, de quê maneira isso se efetivaria, quais as causas dos atuais problemas e insuficiências diagnosticáveis de forma geral e específica a cada universidade, enfim desembocar em uma verdadeira disputa de concepção de universidade. Descolando a UNE de sua atual postura recuada para uma posição mais avançada e elaborada.

Onde isso nos possibilitaria resgatar publicamente uma série de acúmulos programáticos de nossas concepções históricas. Rememorando experiências como as do “Alfabetação” e tantas outras iniciativas valiosas, que nós da Kizomba temos acumulado ao longo de nossa história. Fazendo esta discussão de forma a apresentar para todo o conjunto da base do movimento, inclusive fazendo necessário que nos estados (onde isto for possível) este debate se realize, possibilitando que travemos um diálogo com os mais diversos setores do movimento, inclusive de outras culturas políticas. Isso geraria um enriquecimento das discussões e um verdadeiro confronto real de posições políticas de fundo. Não devemos, como jamais o fizemos, temer o debate e a disputa programática, muito pelo contrário, deve partir de nós da Kizomba a disposição de potencializar este processo. Esta é a necessidade de efetivar este espaço nos estados; junto com a UNE, UEEs, Federações e Executivas de Cursos, DCEs, Das e CAs.

Este é uma questão que nós da Kizomba devemos desde já colocar como nossa pauta imediata de acúmulo e mobilização para o próximo período. Onde através da nossa ação, todo o conjunto do movimento estudantil explicite para a sociedade a atualidade e a necessidade de termos uma universidade pública, universal, democrática, de qualidade e gratuita. Apontando para a nossa disposição de se somar a este debate, buscando garantir um maior equilíbrio e qualidade nas discussões sobre o tema da Reforma Universitária. Do contrário corremos o risco de vermos o movimento estudantil, de forma generalizada, aderindo as “cegas” a um abismo que pode ser decisivo e fatal para os rumos da universidade brasileira.


Texto lançado em dezembro de 2003

Nenhum comentário: