sexta-feira

Na Venezuela, vence o não, mas segue a luta

O "polêmico" Referendo Constitucional proposto pelo governo Venezuelano saiu-se derrotado das urnas neste último domingo (02/12). A diferença da votação do "não" para o "sim" foi apertada, de pouco mais de 1%. Algumas lições e símbolos políticos importantes devem ser extraídos deste processo.
Primeiramente, o fato de 49% da população venezuelana ter votado a favor da construção de um projeto socialista não é pouca coisa. Isto demonstra a capacidade de mobilização que se tem presente na Venezuela.
Outro símbolo importante, e que serviu como um verdadeiro "cala a boca" para a grande mídia foi o próprio resultado em si, desmentindo a teoria de que o governo de Hugo Chávez estaria manipulando as massas ou fraudaria o resultado. Imediatamente após o anúncio do resultado oficial, Chávez declarou reconhecer o resultado, ele colocou que, uma vez constatado que os resultados seguiam uma "tendência irreversível", considerou se tratar do melhor desenlace, um resultado ajustado a seu favor ira abrir uma forte onda de críticas da oposição política. "Eu prefiro assim", disse ao admitir os resultados.
"Por hora, não podemos", manifestou o presidente venezuelano, que afirmou que continua aberta sua proposta. E de fato isso que ocorreu pode vir a ser uma importante lição para superar os limites e erros cometidos neste processo. O que pelas declarações de Chávez, parece já ocorrer. "Estamos frente a uma grande batalha. Como eu afirmei em 4 de fevereiro de 1992, por hora não podemos, eu assim, perante vocês cumpro com o compromisso de respeitar nossas instituições", afirmou o presidente. Fazendo referência a tentativa frustrada de insurreição militar comandada por ele em 92.
São muitas as lições que deverão ser tiradas deste resultado. Primeiramente, ele ocorre por alguns erros políticos, que se explica pela perda de "apoio entre a intelectualidade e em setores do campo estudantil. Pode ser que setores universitários tenham se sentido ameaçados em suas prerrogativas pelas propostas igualitaristas que vinham no bojo do plebiscito. Mas houve uma perda de "impulso ideológico" que abriu espaço para posições contrárias às reformas. O plebiscito, tão complexo em sua totalidade, tendeu a se transformar na resposta a uma única questão, se Chávez poderia continuar indefinidamente na presidência, até que a morte os separasse (não são tolices as alegações de que ele possa ser assassinado), ou não. Isso "emparedou" o plebiscito e, se de um lado, mostrava a força do carisma do presidente, de outro expunha uma das fragilidades do movimento bolivariano, que é a dependência com exclusividade do comandante e do comando de Hugo Chávez. É verdade que, confirmando tese de Max Weber recentemente lembrada por José Luís Fiori em entrevista à Folha de S. Paulo, na América Latina, tradicionalmente políticas inclusivas sempre foram bandeira de políticos carismáticos, de estilo acaudilhado e acaudilhantes, nunca dos nossos políticos liberais, que em geral representam aqueles que não se liberam jamais da visão de seus foros de privilégio e de benesses estatais chamadas de "investimento". Vejam-se os exemplos históricos de Vargas, Perón e Cárdenas." (Flávio Aguiar, Carta Maior).
Acredito que as experiências que estão em curso na Venezuela, as sucessivas tentativas de golpes e desestabilizações do regime político, já demonstraram em outros momentos a força e a vitalidade do processo de transformações que estão em curso. A derrota no referendo mostra muito mais a abertura do regime (desmentindo a imagem de ditadura que a direita costuma a apregoar) do que o oposto, e pode vir a ser uma importante e valiosa lição para a superação dos atuais limites do processo político venezuelano. Elementos para isso existem, após o referendo, a prioridade deverá ser esta.